AVE
NOTURNA: A POESIA EXISTENCIAL DO BARDO CEARENSE RAIMUNDO FAGNER *
Francisco
Júnior Damasceno Paiva
Universidade
Estadual da Paraíba – UEPB
1. INTRODUÇÃO
“Hoje
eu só acredito no pulsar das minhas veias / (...)
Nesta
estrada, só quem pode me seguir sou eu / Sou eu, sou eu, sou eu...”
Noturno (Graco
e Caio Sílvio, Beleza: 1979).
O objeto de análise do presente artigo, Ave Noturna: a poesia existencial do bardo
cearense Raimundo Fagner, será a produção autoral do cantor,
instrumentista, poeta e compositor Raimundo Fagner. Para isso, iremos analisar
principalmente as canções de sua autoria, ou em parceria com outros
compositores, destacando os aspectos estilísticos, políticos, sociais e
filosóficos dessas músicas. O que não nos impedirá de considerar canções não
autorais, como também os vários poemas que o cantor musicou ao longo de sua
carreira.
Raimundo Fagner Cândido Lopes
nasceu em Fortaleza – CE, no dia 13 de outubro de 1949, mas foi registrado no
município de Orós – CE, filho de pai libanês e mãe cearense. Canta desde menino
e iniciou sua carreira na década de 1970.
É uma época bastante conturbada e agitada do nosso país, tanto no
cenário político como cultural. Fagner vem de um grupo que ficará conhecido
depois como o “Pessoal do Ceará” e
logo se destaca no cenário musical nacional. Dono de uma voz inconfundível e um
estilo marcante, faz uma música ao mesmo tempo regional e universal. Uma marca
do seu trabalho é a parceria com grandes compositores e também o seu interesse
por literatura, principalmente a poesia, o que o levou a musicar importantes
poemas de grandes escritores do nosso e de outros países, como Cecília
Meireles, Ferreira Gullar, Francisco Carvalho, Patativa do Assaré, Florbela
Espanca, entre outros.
2. A FILOSOFIA DA EXISTÊNCIA NAS CANÇÕES DE RAIMUNDO
FAGNER
É preciso sair pelo mundo
Procurando somente encontrar
É preciso alcançar a aurora
Que a noite teimou em fazer não chegar
É preciso entender que a vida quer um
jeito de resistir
É preciso saber que agora
A aurora não pode esperar por vir.
Além do Cansaço
(Petrúcio
Maia & Brandão,
Raimundo Fagner,
1976).
Pretendemos analisar a música do Fagner a
partir de uma interpretação filosófica existencial. Esta característica é
claramente percebida nos primeiros álbuns do cantor, talvez pela sua juventude
ou mesmo pelas influências do contexto cultural da época; da contracultura, do
movimento hippie, da resistência à ditadura militar, de Woodstock,
etc. Fato é que podemos encontrar um traço que acompanhará o artista em seu
trabalho, em especial, nos seus primeiros discos; uma postura de rebeldia, de
insatisfação e de questionamento do status
quo e da própria existência. Dois álbuns do Fagner são emblemáticos neste
aspecto, o seu segundo LP Ave Noturna
de 1975 e o LP Raimundo Fagner de
1976. Ambos são discos autorais, fortemente marcados pela veia poética,
sentimental e existencial do jovem Raimundo Fagner. O eu lírico do poeta se manifesta nestes discos em canções como Ave Noturna, em parceria com Cacá
Diegues e em Asa Partida (Abel Silva
e Fagner), Pavor dos Paraísos
(Capinan e Fagner), Corda de Aço
(Clodô e Fagner), entre outras do terceiro álbum do cantor. Essa tendência já
podia ser percebida em algumas faixas do seu primeiro LP Manera Fru Fru Manera de 1973, como Mucuripe (Raimundo Fagner / Belchior), Como Se Fosse (Raimundo Fagner / Capinan) e Sina (Raimundo Fagner / Ricardo Bezerra / Patativa do Assaré).
A questão a ser levantada aqui
é a relação entre Filosofia e Literatura na expressão poética do cantor Fagner,
sua carga existencial, sem que esta deva estar necessariamente ligada a alguma corrente
filosófica especifica. No entanto, o próprio compositor afirma em diversas
entrevista que leu os filósofos existencialistas, em especial Jean-Paul Sartre.
O interesse pelo tema surgiu
da observação de temas filosóficos presentes nas canções de Fagner,
principalmente no início de sua carreira. No entanto, nos últimos anos ele vem
retomando antigas parcerias e realizando CDs cada vez mais próximos de suas
origens, como é o caso de Pássaros
Urbanos de 2014.
Outro motivo para estudar esta
temática vem da minha prática no ensino de Filosofia com Arte, principalmente
da Literatura, com destaque para a poesia.
A música é um forte e
importante instrumento de disseminação da arte e da cultura no nosso país. Ela
aproxima o erudito e o popular e pode ajudar na transmissão de conteúdos
fundamentais na educação e na formação da cidadania. Infelizmente não é isso
que ocorre atualmente com a banalização dos valores e a péssima qualidade da
música feita nas últimas décadas no Brasil. Mais um motivo para pesquisarmos a
música dos anos 1970 e 1980, período de grandes nomes da MPB, como é o caso de
Raimundo Fagner.
Temos uma vasta produção a ser
pesquisada, além de trabalhos acadêmicos sobre a Música Popular Brasileira;
temos também a discografia do cantor disponível na Internet, sites, blogs,
livros, filmes, dicionários da MPB, revistas, jornais e entrevistas de Fagner
para a TV.
A relevância da contribuição de
Raimundo Fagner para a nossa música e a nossa cultura é inegável. A aproximação
que ele faz da música com a poesia é original e ajudou a divulgar e popularizar
grandes escritores, a exemplo de Florbela Espanca, Patativa do Assaré,
Francisco Carvalho, Fausto Nilo, Ferreira Gullar e Cecília Meireles, entre
outros; tanto brasileiros como de outros países.
3. ALGUMAS CONCLUSÕES PARCIAS E UM RECOMEÇO
Nenhuma ave noturna
Tão triste não pode ser
Eu sou igual ao deserto
Onde ninguém quer viver
Eu sou a pedra de ponta
Areia quente nos dedos
Eu sou chocalho de
cobra
Incêndio no arvoredo
Eu sou vereda de
espinhos
Seca flor no juazeiro
Fogueira do meio dia
Eu sou o tiro certeiro
Nenhuma ave deserta
Noturna não pode ser
Eu sou igual ao tão
triste
Onde ninguém quer viver
Ave Noturna, (Fagner
e Cacá Diegues) Ave Noturna: 1975).
As décadas de 1960 e 1970 no Brasil
foram de grande efervescência política e cultural. Paradoxalmente, vivíamos
numa ditadura militar e, apesar dela e contra ela, os jovens atuavam nos mais
variados setores da sociedade, de forma rebelde e revolucionária. O país experimentava
avanços principalmente no campo da cultura e da educação, frutos da década
anterior. Infelizmente grande parte desses avanços serão barrados pelo golpe
militar de 1964.
No panorama filosófico, o país
começa a receber influências da filosofia do pós-guerra vindas da Europa e dos
Estados Unidos. Em 1960, o filósofo Jean-Paul Sartre visita o Brasil. Outros
pensadores, tanto europeus como norte-americanos, vieram ao Brasil nesse mesmo
período. No mundo, o existencialismo será a corrente filosófica que mais se
popularizará, tornando-se uma verdadeira moda entre os jovens ligados à arte, à
cultura, à política e ao universo da intelectualidade em geral. Não será
diferente com o jovem Raimundo Fagner. Atento e antenado com o que estava
ocorrendo no mundo, Fagner irá trazer para a sua música as novidades, na forma
e no conteúdo, daquilo que estava sendo feito em outros países.
A temática das canções de Fagner
daquele período é claramente existencial. Elas falam de angústia, melancolia,
desejo de liberdade, sofrimento, solidão, tristeza, conflitos, crises
existenciais, falta de sentido para a vida e a morte. Como podemos ver na
canção Ave Noturna (acima) do LP
homônimo, que ressalta a solidão e o individualismo, “Eu sou igual ao deserto/ Onde ninguém quer viver”. As imagens
utilizadas pelo eu lírico do poeta também são extremamente reveladoras. Há uma
predominância de referências aos pássaros que é uma alusão ao desejo de
liberdade. Aparece também, casa, porta, mesa e viagem que nos remetem a ideia
tanto de liberdade como de conflitos familiares e nas relações intersubjetivas.
Concluindo
gostaríamos de dizer que este pequeno texto faz parte de um projeto maior de
pesquisa da obra de Raimundo Fagner que está em andamento. Dividiremos o nosso
trabalho em quatro capítulos. No primeiro capítulo traçaremos um pequeno perfil
biográfico de Raimundo Fagner. No segundo capítulo abordaremos a obra do cantor
dentro do contexto político, cultural e musical das décadas de 1970 e 1980. No
terceiro capítulo analisaremos as canções dos três primeiros LPs de Fagner: Manera fru fru manera (1973), Ave Noturna (1975) e Raimundo Fagner (1976). Faremos uma
análise e interpretação destes discos pelo fato dos mesmos serem considerados
os mais autorais na carreira do cantor. Por último, no quarto capítulo,
abordaremos também outras canções interpretadas pelo artista ao longo destas
mais de quatro décadas, que tenha relação com a temática que adotamos nesta
pesquisa, ou seja, canções de outros compositores ou poetas, onde Fagner coloca
seu toque pessoal, imprimindo assim uma marca interpretativa singular na música
popular brasileira.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1 disco sonoro. 33 1/3. Estéreo 38 min.
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* foto de divulgação do site oficial de Fagner.