quinta-feira, 25 de outubro de 2018






RESUMOS DE OBRAS LITERÁRIAS PARA O ENEM

Francisco Júnior Damasceno Paiva
Professor de Filosofia do Estado da Paraíba


SUMÁRIO:

1. AUTO DA BARCA DO INFERNO (1518), DE GIL VICENTE (1466-1536).

2. MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS (1862), DE MANUEL ANTÔNIO DE ALMEIDA (1831-1861).

3.  IRACEMA (1865), DE JOSÉ DE ALENCAR (1829-1877).

4. MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS (1881), DE MACHADO DE ASSIS (1839-1908).

5. O CORTIÇO (1890), DE ALUÍSIO AZEVEDO (1857-1913).

6. DOM CASMURRO (1899), DE MACHADO DE ASSIS (1839-1908).

7. A CIDADE E AS SERRAS (1901), DE EÇA DE QUEIROZ (1845-1900).

8. MACUNAÍMA – O HERÓI SEM NENHUM CARÁTER (1928), DE MÁRIO DE ANDRADE (1893-1945).

9. CAPITÃES DA AREIA (1937), DE JORGE AMADO (1912-2001).

10. VIDAS SECAS (1938), DE GRACILIANO RAMOS (1892-1953).



1. AUTO DA BARCA DO INFERNO DE GIL VICENTE

           Gil Vicente é um dos principais autores do teatro medieval português, responsável pelos “Autos D’El-Rei”. Escreveu diversas peças em que ironiza a sociedade portuguesa do século XVI, entre elas o “Auto da Barca do Inferno”, onde seus personagens já mortos são conduzidos a um lugar onde encontram-se duas barcas, uma conduzida por um anjo e outra pelo diabo, que os levaram para o inferno ou para o paraíso, após o julgamento. A peça é justamente este momento do julgamento, onde Gil Vicente, através da crítica e da ironia, expõe seus pensamentos sobre a política, os costumes e a sociedade portuguesa do século XVI.



2. MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS DE MANUEL ANTÔNIO DE ALMEIDA

            Único romance de Manuel Antônio de Almeida, publicado um ano após a morte do escritor (morto no naufrágio do navio “Hermes”, quando ia fazer a reportagem da inauguração do canal que liga Macaé a Campos no Rio de Janeiro), é considerado hoje uma obra-prima, apesar de na época de sua publicação não ter merecido nenhum destaque.
            “Memórias de um Sargento de Milícias” conta as aventuras e peripécias do seu protagonista Leonardo, uma espécie de “Pedro Malasartes”, um Anti-herói, um “Macunaíma”, como no romance homônimo de Mário de Andrade. Por isso, alguns o considera um romance picaresco (pícaro é um anti-herói medieval).
 Na verdade o Leonardo filho é o malandro carioca, uma representação do jeitinho brasileiro. Portanto, o romance é tido também como um romance representativo. Alguns o entende como um romance histórico, documentário, por mostrar o Brasil do tempo do rei. “Era no tempo do rei”: início do século XIX (1808), chegada de Dom João ao Rio de Janeiro. Por último, é um romance de costumes, bem ao gosto do romantismo brasileiro, embora inovador ao retratar o povo, a periferia, aqueles que se encontravam à margem da sociedade, e não os salões da burguesia ou da aristocracia do segundo reinado.


3. IRACEMA DE JOSÉ DE ALENCAR

            Iracema, romance da fase Indianista (primeira geração do romantismo brasileiro), foi escrito por José de Alencar, um dos principais escritores do nosso romantismo. Autor de vários romances, entre romances indianistas e romances urbanos, José de Alencar pretendia dar uma identidade nacional ao nosso país. Dessa forma irá escrever sobre quase todas as regiões do Brasil, o que o colocaria como um escritor pré-regionalista, mas também sofreria por isso a crítica de ser um autor superficial. Seus romances são teses para a fundação de uma nação. Em Iracema (1865), anagrama de américa, José de Alencar narra a paixão da índia Iracema pelo português Martim. Apesar das cores nacionais, no entanto, José de Alencar retrata os índios com características europeias e tenta amenizar (ou romantizar) os conflitos entre índios e brancos, como acontece também em “O Guarani”, outro romance do escritor cearense, onde o índio Peri aparece como um cavaleiro medieval.


4. MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS DE MACHADO DE ASSIS

            Juntamente com “O Cortiço” de Aluísio Azevedo, “Memórias póstumas de Brás Cubas” de Machado de Assis, é considerado o primeiro romance realista da literatura brasileira. Enquanto este é um romance mais psicológico, com forte crítica social, veremos que “O Cortiço” possui um caráter mais sociológico, com influências naturalistas.
            “Memórias Póstumas de Brás Cubas” é uma obra-prima de Machado de Assis e faz parte de uma trilogia, já que seus personagens aparecem também em “Dom Casmurro” e, principalmente, na continuação dessas memórias, no livro “Quincas Borba”.
            O protagonista, Brás Cubas, é o narrador do romance, que já morreu e decide escrever suas memórias, portanto, ele é um “defunto autor” e não um “autor defunto”, no sentido de alguém que tem suas obras publicadas postumamente. É também um romance filosófico. Nele aparece o “humanitismo”, filosofia desenvolvida por Quincas Borba, amigo de Brás Cubas; um mendigo, que torna-se milionário e depois é enganado e perde tudo, voltando à miséria, e aí elabora sua filosofia, que ele resume na frase: “Ao vencedor, as batatas”. Brás Cubas, por sua vez, é um niilista, no sentido que sua narrativa é das negativas, não consegue efetivar nenhum dos seus projetos: o casamento, o emplasto, o cargo de ministro, um filho. “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”.


5. O CORTIÇO DE ALUÍSIO DE AZEVEDO

            Como vimos acima, “O Cortiço”, junto com “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, é o primeiro romance do realismo brasileiro. Faz parte do naturalismo, tendência vinda da Europa, fortemente influenciada pelas ciências sociais e pelas ciências da natureza (século XIX).
            “O Cortiço” (1890), conta a vida do proletariado do final do século XIX, no Rio de Janeiro, que acabara de sair do regime escravocrata e do império. Aos mais pobres não restava muita coisa, a não ser as péssimas condições de vida, de moradia e do subemprego.
            O romance conta a vida desses trabalhadores que são explorados e roubados pelo dono do cortiço, João Romão, que enriquece as custas dos moradores e até toca fogo na estalagem para ficar com o dinheiro do seguro. É uma das primeiras críticas sociais da nossa literatura, que veremos mais tarde em “São Bernardo” de Graciliano Ramos, já no modernismo. O romance trata também do racismo; apesar deste ser tema central de um outro romance de Aluísio Azevedo, “O Mulato”; além de enfocar a homossexualidade, tanto masculina como feminina, o que é uma abordagem inovadora para época.


6. DOM CASMURRO DE MACHADO DE ASSIS

            Obra máxima da literatura brasileira, “Dom Casmurro” (1899), é um romance da fase realista de Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908), considerado o maior escritor brasileiro e um dos mais importantes da língua portuguesa, que foi fundador e o primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras – ABL. Machado de Assis era um mulato, de origem humilde, nascido no Rio de Janeiro (1839), viveu na segunda metade do século XIX e faleceu também na cidade do Rio de Janeiro em 1908. Foi um dos mais completos escritores de sua época, escreveu praticamente em todos os gêneros literários: poesia, romance, conto, crônica, teatro, jornalismo, crítica literária, textos autobiográficos e memórias.
            “Dom Casmurro” é a história do casal mais famoso da nossa literatura: Capitu e Bentinho. Narrado em primeira pessoa pelo protagonista Bento Santiago, que na velhice resolve escrever suas memórias, na tentativa de atar as duas pontas de sua vida, a infância/adolescência à velhice; na busca também de compreender os acontecimentos e encontrar um sentido para sua existência. Nessa retrospectiva, o leitor vai acompanhar, junto com o protagonista, o romance de Bentinho e Capitu, desde a infância, quando eles se conhecem, passando pelo seminário, as amizades, o casamento, os ciúmes, as brigas, o primeiro filho, a suposta traição, a separação e a solidão no final do romance. “Dom Casmurro” é um romance carregado de ironia e crítica social, mas que na maioria das vezes nós leitores ficamos presos ao enigma traçado pela genialidade de Machado de Assis. Afinal, houve ou não adultério por parte de Capitu? Nunca saberemos de fato: “Vamos à história dos subúrbios”.


7. A CIDADE E AS SERRAS DE EÇA DE QUEIROZ

            “A Cidade e as Serras” (1901) é um romance de Eça de Queiroz (1845-1900), um dos mais importantes escritores do realismo português. O romance foi publicado um ano após a morte de Eça de Queiroz, e é uma sátira ao culto da tecnologia. Considerado um texto menos cáustico e menos ácido em relação à sociedade burguesa do seu tempo. No entanto, segue sendo divertido, irônico, original e satírico, bem ao estilo do seu autor. O romance opõe os personagens Jacinto de Tormes, português residente em Paris, homem inteiramente em dia com todos os avanços tecnológicos; ao personagem Zé Fernandes, um crítico das grandes cidades, do progresso e denunciador de seus malefícios. Eça de Queiroz escreveu também: “O Crime do Padre Amaro” (1875), “O Primo Basílio” (1878), “Os Mais” (1888), “A Ilustre casa de Ramirés” (1900) e “A Relíquia”.  


8. MACUNAÍMA DE MÁRIO DE ANDRADE

            “Macunaíma – O herói sem nenhum caráter” (1928) é um romance de Mário de Andrade (1893-1945), considerado o papa do modernismo brasileiro. Romance de difícil classificação, pode ser considerado uma rapsódia – compilação de temas e histórias do folclore popular, mas elaboradas por um autor erudito. Mário de Andrade era pesquisador, escritor, poeta e folclorista. Percorreu todo o território nacional coletando lendas e histórias do folclore brasileiro e criou uma obra-prima, única e representativa da nossa cultura. Macunaíma, protagonista que dá título ao livro, é ao mesmo tempo índio, negro e branco. Mas não é propriamente um herói, é na verdade um anti-herói, um malandro, um esperto e um preguiçoso: um herói sem nenhum caráter. Bem ao estilo do modernismo e do movimento antropofágico, que tentava encontrar ou criar uma identidade nacional: o “herói de nossa gente”.
            Considerado também por alguns como um romance pornográfico, na verdade, Mário de Andrade reúne lendas e histórias de índios, negros e brancos, num texto que pretende explicar o Brasil. Macunaíma nasce no meio da floresta amazônica e irá percorrer todo o Brasil, chegando a São Paulo em busca de um amuleto, o muiraquitã. É famosa a sua “carta pras icamiabas”, uma espécie de manifesto e a frase “pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são”.


9.  CAPITÃES DA AREIA DE JORGE AMADO  

            Romance da primeira fase do escritor Jorge Amado, romancista da geração de 30 (regionalismo), “Capitães da Areia” é um livro que conta a vida dos meninos de rua de Salvador – BA, nas primeiras décadas do século XX. Compõe a fase proletária e urbana de do escritor baiano, que foi filiado ao partido comunista e, por isso, foi perseguido e preso pelo Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945).
            O romance narra as aventuras de Pedro Bala e seus amigos pelo Cais do porto e pelas ruas de Salvador. De forma poética e romantizada Jorge Amado cria uma obra que é, ao mesmo tempo, panfletária e de denúncia das nossas mazelas sociais: “porque a revolução é uma pátria e uma família”.
            A partir do romance “Gabriela, Cravo e Canela”, Jorge Amado irá passar para o romance de costumes, diminuindo assim a sua crítica social e o seu envolvimento político. “Capitães da Areia”, assim como quase todos os romances de Jorge Amado, foi adaptado para o cinema e a televisão.


10. VIDAS SECAS DE GRACILIANO RAMOS

            Vidas Secas” (1938) é um dos mais importantes romances de Graciliano Ramos, escritor da segunda geração do modernismo brasileiro. O romance narra a vida de uma família de nordestinos tangidos pela seca. Fabiano, Sinha Vitória, os meninos e a cachorra Baleia, são constantemente obrigados a saírem em busca de emprego e de sobrevivência. O livro começa com um capítulo intitulado “mudança” e termina com o capitulo “fuga”. Aparece também o soldado amarelo, uma crítica de Graciliano Ramos a ditadura do Estado Novo de Vargas. Graciliano era filiado ao partido comunista e também foi perseguido e preso pela ditadura de Vargas. Os capítulos de “Vidas Secas” são considerados quadros independentes, como se cada um deles pudessem ser tomados isoladamente.
            É interessante notar que no romance os meninos não têm nomes, mas a cachorra da família tem um nome. Graciliano chama a atenção para a desumanização, que é resultado não só da seca, mas da política, das injustiças sociais e da violência. Fabiano é enganado e roubado porque não sabe fazer contas e nem lida bem com as palavras. No final do romance, Graciliano Ramos “profetiza”: “e o sertão continuaria a mandar gente para lá. O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos como Fabiano, Sinha Vitória e os dois meninos”.
           
             

           

           
           
           




             Imagem: Dom Quixote e Sancho Pança de Cândido Portinari  
             fonte: Internet 

domingo, 29 de julho de 2018



Ensinando a filosofia com arte: Música & filosofia



Música & filosofia




domingo, 22 de julho de 2018




I CONGRESSO NACIONAL

DE ESTUDOS LISPECTORIANOS - ANAIS PUBLICADOS (TEXTOS COMPLETOS).





domingo, 1 de julho de 2018

SEIS POEMAS DE JUNIOR DAMASCENO - CORREIO DAS ARTES - JUNHO/2018.



sexta-feira, 5 de janeiro de 2018



AVE NOTURNA: A POESIA EXISTENCIAL DO BARDO CEARENSE RAIMUNDO FAGNER *

Francisco Júnior Damasceno Paiva
Universidade Estadual da Paraíba – UEPB

1.    INTRODUÇÃO

“Hoje eu só acredito no pulsar das minhas veias / (...)
Nesta estrada, só quem pode me seguir sou eu / Sou eu, sou eu, sou eu...”
Noturno (Graco e Caio Sílvio, Beleza: 1979).

O objeto de análise do presente artigo, Ave Noturna: a poesia existencial do bardo cearense Raimundo Fagner, será a produção autoral do cantor, instrumentista, poeta e compositor Raimundo Fagner. Para isso, iremos analisar principalmente as canções de sua autoria, ou em parceria com outros compositores, destacando os aspectos estilísticos, políticos, sociais e filosóficos dessas músicas. O que não nos impedirá de considerar canções não autorais, como também os vários poemas que o cantor musicou ao longo de sua carreira.
Raimundo Fagner Cândido Lopes nasceu em Fortaleza – CE, no dia 13 de outubro de 1949, mas foi registrado no município de Orós – CE, filho de pai libanês e mãe cearense. Canta desde menino e iniciou sua carreira na década de 1970.  É uma época bastante conturbada e agitada do nosso país, tanto no cenário político como cultural. Fagner vem de um grupo que ficará conhecido depois como o “Pessoal do Ceará” e logo se destaca no cenário musical nacional. Dono de uma voz inconfundível e um estilo marcante, faz uma música ao mesmo tempo regional e universal. Uma marca do seu trabalho é a parceria com grandes compositores e também o seu interesse por literatura, principalmente a poesia, o que o levou a musicar importantes poemas de grandes escritores do nosso e de outros países, como Cecília Meireles, Ferreira Gullar, Francisco Carvalho, Patativa do Assaré, Florbela Espanca, entre outros.

2.    A FILOSOFIA DA EXISTÊNCIA NAS CANÇÕES DE RAIMUNDO FAGNER

É preciso sair pelo mundo
Procurando somente encontrar
É preciso alcançar a aurora
Que a noite teimou em fazer não chegar
É preciso entender que a vida quer um jeito de resistir
É preciso saber que agora
A aurora não pode esperar por vir.
Além do Cansaço
(Petrúcio Maia & Brandão,
Raimundo Fagner, 1976).

Pretendemos analisar a música do Fagner a partir de uma interpretação filosófica existencial. Esta característica é claramente percebida nos primeiros álbuns do cantor, talvez pela sua juventude ou mesmo pelas influências do contexto cultural da época; da contracultura, do movimento hippie, da resistência à ditadura militar, de Woodstock, etc. Fato é que podemos encontrar um traço que acompanhará o artista em seu trabalho, em especial, nos seus primeiros discos; uma postura de rebeldia, de insatisfação e de questionamento do status quo e da própria existência. Dois álbuns do Fagner são emblemáticos neste aspecto, o seu segundo LP Ave Noturna de 1975 e o LP Raimundo Fagner de 1976. Ambos são discos autorais, fortemente marcados pela veia poética, sentimental e existencial do jovem Raimundo Fagner. O eu lírico do poeta se manifesta nestes discos em canções como Ave Noturna, em parceria com Cacá Diegues e em Asa Partida (Abel Silva e Fagner), Pavor dos Paraísos (Capinan e Fagner), Corda de Aço (Clodô e Fagner), entre outras do terceiro álbum do cantor. Essa tendência já podia ser percebida em algumas faixas do seu primeiro LP Manera Fru Fru Manera de 1973, como Mucuripe (Raimundo Fagner / Belchior), Como Se Fosse (Raimundo Fagner / Capinan) e Sina (Raimundo Fagner / Ricardo Bezerra / Patativa do Assaré).
A questão a ser levantada aqui é a relação entre Filosofia e Literatura na expressão poética do cantor Fagner, sua carga existencial, sem que esta deva estar necessariamente ligada a alguma corrente filosófica especifica. No entanto, o próprio compositor afirma em diversas entrevista que leu os filósofos existencialistas, em especial Jean-Paul Sartre.  
O interesse pelo tema surgiu da observação de temas filosóficos presentes nas canções de Fagner, principalmente no início de sua carreira. No entanto, nos últimos anos ele vem retomando antigas parcerias e realizando CDs cada vez mais próximos de suas origens, como é o caso de Pássaros Urbanos de 2014.
Outro motivo para estudar esta temática vem da minha prática no ensino de Filosofia com Arte, principalmente da Literatura, com destaque para a poesia.
A música é um forte e importante instrumento de disseminação da arte e da cultura no nosso país. Ela aproxima o erudito e o popular e pode ajudar na transmissão de conteúdos fundamentais na educação e na formação da cidadania. Infelizmente não é isso que ocorre atualmente com a banalização dos valores e a péssima qualidade da música feita nas últimas décadas no Brasil. Mais um motivo para pesquisarmos a música dos anos 1970 e 1980, período de grandes nomes da MPB, como é o caso de Raimundo Fagner.
Temos uma vasta produção a ser pesquisada, além de trabalhos acadêmicos sobre a Música Popular Brasileira; temos também a discografia do cantor disponível na Internet, sites, blogs, livros, filmes, dicionários da MPB, revistas, jornais e entrevistas de Fagner para a TV.
A relevância da contribuição de Raimundo Fagner para a nossa música e a nossa cultura é inegável. A aproximação que ele faz da música com a poesia é original e ajudou a divulgar e popularizar grandes escritores, a exemplo de Florbela Espanca, Patativa do Assaré, Francisco Carvalho, Fausto Nilo, Ferreira Gullar e Cecília Meireles, entre outros; tanto brasileiros como de outros países.

3.    ALGUMAS CONCLUSÕES PARCIAS E UM RECOMEÇO

Nenhuma ave noturna
Tão triste não pode ser
Eu sou igual ao deserto
Onde ninguém quer viver

Eu sou a pedra de ponta
Areia quente nos dedos
Eu sou chocalho de cobra
Incêndio no arvoredo

Eu sou vereda de espinhos
Seca flor no juazeiro
Fogueira do meio dia
Eu sou o tiro certeiro

Nenhuma ave deserta
Noturna não pode ser
Eu sou igual ao tão triste
Onde ninguém quer viver

Ave Noturna, (Fagner e Cacá Diegues) Ave Noturna: 1975).

            As décadas de 1960 e 1970 no Brasil foram de grande efervescência política e cultural. Paradoxalmente, vivíamos numa ditadura militar e, apesar dela e contra ela, os jovens atuavam nos mais variados setores da sociedade, de forma rebelde e revolucionária. O país experimentava avanços principalmente no campo da cultura e da educação, frutos da década anterior. Infelizmente grande parte desses avanços serão barrados pelo golpe militar de 1964.
            No panorama filosófico, o país começa a receber influências da filosofia do pós-guerra vindas da Europa e dos Estados Unidos. Em 1960, o filósofo Jean-Paul Sartre visita o Brasil. Outros pensadores, tanto europeus como norte-americanos, vieram ao Brasil nesse mesmo período. No mundo, o existencialismo será a corrente filosófica que mais se popularizará, tornando-se uma verdadeira moda entre os jovens ligados à arte, à cultura, à política e ao universo da intelectualidade em geral. Não será diferente com o jovem Raimundo Fagner. Atento e antenado com o que estava ocorrendo no mundo, Fagner irá trazer para a sua música as novidades, na forma e no conteúdo, daquilo que estava sendo feito em outros países.
            A temática das canções de Fagner daquele período é claramente existencial. Elas falam de angústia, melancolia, desejo de liberdade, sofrimento, solidão, tristeza, conflitos, crises existenciais, falta de sentido para a vida e a morte. Como podemos ver na canção Ave Noturna (acima) do LP homônimo, que ressalta a solidão e o individualismo, “Eu sou igual ao deserto/ Onde ninguém quer viver”. As imagens utilizadas pelo eu lírico do poeta também são extremamente reveladoras. Há uma predominância de referências aos pássaros que é uma alusão ao desejo de liberdade. Aparece também, casa, porta, mesa e viagem que nos remetem a ideia tanto de liberdade como de conflitos familiares e nas relações intersubjetivas. 
          Concluindo gostaríamos de dizer que este pequeno texto faz parte de um projeto maior de pesquisa da obra de Raimundo Fagner que está em andamento. Dividiremos o nosso trabalho em quatro capítulos. No primeiro capítulo traçaremos um pequeno perfil biográfico de Raimundo Fagner. No segundo capítulo abordaremos a obra do cantor dentro do contexto político, cultural e musical das décadas de 1970 e 1980. No terceiro capítulo analisaremos as canções dos três primeiros LPs de Fagner: Manera fru fru manera (1973), Ave Noturna (1975) e Raimundo Fagner (1976). Faremos uma análise e interpretação destes discos pelo fato dos mesmos serem considerados os mais autorais na carreira do cantor. Por último, no quarto capítulo, abordaremos também outras canções interpretadas pelo artista ao longo destas mais de quatro décadas, que tenha relação com a temática que adotamos nesta pesquisa, ou seja, canções de outros compositores ou poetas, onde Fagner coloca seu toque pessoal, imprimindo assim uma marca interpretativa singular na música popular brasileira.

4.    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBIN, Cravo. Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. (Verbete: Fagner). Disponível em:  <www.dicionariompb.com.br>. Acessado em 10 de Agosto de 2017.

ALBUQUERQUE, Célio (Org.). 1973 – O ano que reinventou a MPB: A história por trás dos discos que transformaram a nossa cultura. Rio de Janeiro: Sonora Editora, 2013.

ALMEIDA, Fernando José de. Sartre – é proibido proibir. São Paulo: FTD, 1994.

ANÍSIO, Ricardo. MPB de A a Z. Crônicas, críticas e entrevistas. 2ª Edição. Campina Grande: Latus / EdUEPB, 2013. (Entrevista com Fagner).

FAGNER, Raimundo. FAGNER OFICIAL (Site). Disponível em: <www.fagner.com.br >. Acessado em 15 de Agosto de 2017.

_______ . Ave Noturna. São Paulo: Continental/WMB, 1975.1 disco sonoro. 33 1/3. Estéreo 42 min.

_______ . Beleza. Rio de Janeiro: CBS, 1979. 1 disco sonoro. 33 1/3. Estéreo 38 min.

_______ . Manera fru fru manera. Rio de Janeiro: Polygram, 1973. 1 disco sonoro. 33 1/3.Estéreo 40 min.

_______ . Raimundo Fagner. Rio de Janeiro: CBS, 1976. 1 disco sonoro. 33 1/3. Estéreo 36 min.

GAVIN, Charles. O Som do Vinil. (Entrevista com Fagner). Disponível em: <www.osomdovinil.org/fagner_menera_fru_fru_manera>Acessado em 07 de Setembro de 2017.  

MACIEL, Luiz Carlos. Sartre – Vida e obra. 5ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1986.  

MARTINS, Franklin. Quem foi que inventou o Brasil? (3 volumes). Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2015.

_______ . Idem. O Livro e o Site. Disponível em: <www.quemfoiqueinventouobrasil.com/o_livro_e_o_site/>.  Acessado em 01 de Setembro de 2017. 

MEDEIROS, Jotabê. Belchior – apenas um rapaz latino-americano. Rio de Janeiro: Editora Todavia, 2017.    

ROGÉRIO, Pedro. A viagem como um princípio na formação do habitus dos músicos que na década de1970 ficaram conhecidos como Pessoal do Ceará. 2011.169 f. Tese (Doutorado em Educação – UFC). Disponível em: <www.repositorio.ufc.br/bitsstream/riufc/3148/1/2011_tese_progerio.pdf>. Acessado em 14 de Setembro de 2017.

SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um humanismo. 3ª Edição. Petrópolis, RJ:  Editora Vozes, 2012.    

TAVARES, Daniel. Scream & Yell (Revista Digital). Disponível em: <www.screamyell.com.br/site/2016/11/01/entrevista_fagner/>. Acessado em 21 de Setembro de 2017.

* foto de divulgação do site oficial de Fagner.